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Bob Dylan da Paraíba

21/12/2008

 

 

Adams Carvalho

Ilustração encomendada pela Folha vê Zé Ramalho como Bob Dylan na capa do disco "Blood on the Tracks"
 

Com 30 anos de carreira, Zé Ramalho se volta para Bob Dylan e reinventa 12 de suas canções com sanfonas e ritmos nordestinos; norte-americano aprovou as versões, como "Tá Tudo Mudando" ou "O Vento Vai Responder" 

IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL 

Há um Bob Dylan no sertão paraibano, e poucos brasileiros se deram conta disso. Agora, a relação está escancarada. Com "Zé Ramalho Canta Bob Dylan", seu 22º álbum em 30 anos, o primeiro assume sem reservas sua porção Robert Zimmerman (nome de batismo do segundo). 

São 12 canções de um homem que canta meio falado interpretadas por um outro que também canta meio falado. Mas, mais do que interpretações, Zé Ramalho reescreveu as letras. Fez versões, transformando, por exemplo, "Things Have Changed" (as coisas mudaram) em "Tá Tudo Mudando" e "Blowin" in the Wind" (soprando no vento) em "O Vento Vai Responder". 

"Antes de gravar, as versões foram levadas pessoalmente, pelo presidente da Sony Songs (Aloysio Reis), aos EUA, para apreciação do Dylan e seus assessores. Depois da avaliação, a assessoria mostrou ao Dylan e ele liberou totalmente todas as versões, inclusive com "louvor", ganhando elogios dele etc.", contou Zé Ramalho à Folha. 

Algumas músicas ganharam explicação adicional. É o caso de "Mr. Tambourine Man", cuja letra ganhou um personagem bem brasileiro: "Hey, Jackson do Pandeiro/ Toque para mim/ Não estou com sono e não tenho para onde ir". 

"Quanto a essa história do Jackson do Pandeiro e outras citações brasileiras, todas foram explicadas pelo Aloysio Reis. Só começamos a gravar o disco depois das autorizações", esclarece o paraibano. E, claro, as músicas ganharam roupagem nordestina, com sanfonas. 

A exceção é "If Not for You", que manteve a letra em inglês. "Achei que, adaptar uma música como essa, cantada na língua natural e arranjada como eu fiz, com um ritmo nordestino agalopado, ficaria interessante, e acho que ficou! Esse arranjo tem também uma inspiração na gravação que George Harrison fez desta mesma música, no seu álbum "All Things Must Pass" [1970]." 

Escolha

Fã de Dylan desde o fim dos anos 60, quando saía da adolescência, Zé Ramalho teve certa dificuldade para escolher as canções do álbum. Afinal, Dylan gravou cerca de 500 músicas em sua carreira. 
"Tenho quase todos os discos de Bob Dylan. É difícil ter a coleção completa, devido à dificuldade de encontrar todos os CDs no Brasil. Gosto muito dos álbuns: "Blood on the Tracks" [1974], "Slow Train Coming" [1979], "Desire" [1976] e a trilha sonora de "Pat Garrett & Billy the Kid" [1973]." 

"Para o meu álbum, adotei como critério fazer uma teia de canções de épocas diferentes. Além disso, procurei dividir as letras em situações diferentes. Há as que eu chamo de canções de separação, como por exemplo "Negro Amor" ("It's All Over Now, Baby Blue') e "Não Pense Duas Vezes, Tá Tudo Bem" ("Don't Think Twice, It's All Right'); canções de cunho religioso como "O Homem Deu Nome a Todos Animais" ("Man Gave Name to All the Animals') e "Batendo na Porta do Céu" ("Knockin" on Heaven's Door'); ou canções lisérgico-visionárias como: "Mr. do Pandeiro" ("Mr. Tambourine Man') e "Como uma Pedra a Rolar" ("Like a Rolling Stone'). Isso facilitou muito o processo de escolha." 

Versões

Essa não foi a primeira vez que Zé Ramalho gravou Dylan. Em 1992, o brasileiro fez uma versão de "Hurricane" para seu álbum "Frevoador" e, nos anos seguintes, registrou interpretações traduzidas de "Tomorrow Is a Long Time" e "Knockin" on Heaven's Door". 

Em 2001, fez um disco inteiro em homenagem a outro artista: "Zé Ramalho Canta Raul Seixas", que vê como o início de uma série. "São discos que mostram a minha leitura destes dois artistas que muito me influenciaram, interagindo na obra deles, da maneira como faço. É uma espécie de projeto ("Zé Ramalho Canta'). No futuro, provavelmente sairão "Zé Ramalho Canta Luiz Gonzaga" e "Zé Ramalho Canta Jackson do Pandeiro"." 

O lançamento sai em duas versões: CD ou DVD, com dez mil exemplares cada um. No DVD, a jornalista Ana Maria Bahiana comenta as canções. 

ZÉ RAMALHO CANTA BOB DYLAN
Artista: Zé Ramalho 
Gravadora: EMI 
Quanto: R$ 30 (CD) e R$ 36 (DVD; livre) 
Avaliação: ótimo

(© Folha de S. Paulo)

 


Tributo a Bob Dylan de Zé Ramalho traz duvidosas letras em português

 

Marco Antonio Barbosa, JB Online

RIO - O canto falado, as letras crípticas e a revitalização da música de raiz (folk no caso do primeiro, nordestina no outro) unem Bob Dylan a Zé Ramalho. O paraibano nunca escondeu o débito que seu estilo agreste-místico tem para com o trovador de Minnesota.

Essa união espiritual entre Zé & Zimmermann frutificou em Tá tudo mudando, disco no qual ZR recupera 11 canções de Dylan (quase todas clássicas) com letras em português e uma na versão original.

No texto de apresentação que consta do encarte do CD, a jornalista Ana Maria Bahiana escreve que “este é um trabalho há muito esperado”. Uma olhadela na capa – a recriação tosca de uma das mais icônicas imagens de Dylan, a do videoclipe Subterreanean homesick blues – não dá muitas esperanças ao ouvinte.

O conteúdo felizmente é melhor do que o invólucro, o que não quer dizer que esteja isento de problemas. Não se trata de questionar a paixão de Zé pelo roqueiro americano ou mesmo seu conhecimento de causa. Mas musical e (em especial) liricamente, o resultado não fica perto dos melhores momentos do nordestino. O que dirá, então, da distância para as canções de Dylan. Cabe a pergunta que o autor de Avohai deve responder com a mão no coração: Zé, você realmente acredita que a homenagem está à altura de seu homenageado? Ou mesmo sequer de sua própria obra anterior?

Escorregões nos versos

Com produção e arranjos do próprio Zé, em parceria com o ubíquo Robertinho do Recife e Otto Guerra, Tá tudo mudando concentra seu percentual de novidades na parte musical. O saldo é irregular.

Na única canção inédita do disco, Wigwam/Para Dylan, o paraibano limita-se a repassar seu estilo acústico e declamatório. As maiores liberdades começam na faixa a seguir, O homem deu nome a todos os animais (Man gave name to all the animals), na qual a mistura de cítara indiana e triângulo soa como recurso gratuito.

Things have changed não merecia ter virado o pseudotecnobrega que dá título ao disco. Nem era necessário dar um tom meio sertanejo a Não pense duas vezes, tá tudo bem. O cantor ainda aplica um galope a If not for you, a única que vem com a letra em inglês, e a Batendo na porta do céu (versão 2), já gravada pelo próprio Zé em uma versão mais aproximada do estilo original deKnocking on heaven's door. Os duvidosíssimos backing vocals femininos que insistem em surgir em Como uma pedra a rolar (Like a rolling stone) agravam a situação.

E as letras, que sempre foram ponto crucial da obra dylanesca? A opção de deixar (na maioria dos casos) os versos em português tão parecidos quanto possível com os originais gera inevitáveis escorregões. Como quando Zé apela para um “Escute o que diz/O vento, my friend ” em O vento vai responder (Blowin'in the wind). Em Mr. do pandeiro, o compositor emparelha o Mr. Tambourine Man de Dylan ao nosso Jackson do Pandeiro. A vergonha maior vem mesmo em Rock feelingood, que transforma um dos momentos mais irados de Dylan (Tombstone blues) num roquinho safado de timbres ultrapassados e versos como “A mãe tá na cozinha/Fazendo arroz com feijão/O pai tá no trabalho/Preocupado com a situação/O filho tá no quarto/Fumando um cigarrão”.

(© JB Online)


ÁUDIO

Zé Ramalho - Chão de giz

VÍDEO

Zé Ramalho - Avohai - ao vivo


 

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