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Zé Ramalho: 'Eu nunca tive um disco que não fosse malhado pela crítica'

22/12/2008

 

 

Foto: Wilton Junior/AE

Zé Ramalho

Ele acaba de lançar um álbum e já coleciona críticas. Aqui, Ramalho devolve pedradas em forma de ataques à mídia e ao jornalismo. E fala de drogas e de ETs

Felipe Branco Cruz, felipe.cruz@grupoestado.com.br

Zé Ramalho é fã de Bob Dylan e Raul Seixas mas não é tiete, tanto que preferiu não conhecer o músico quando ele fez show no Brasil. Neste mês, o músico lança Zé Ramalho canta Bob Dylan (EMI) com versões em português das canções do americano. Antes mesmo de chegar às lojas o novo trabalho já vinha sendo fortemente criticado pela imprensa porque Zé teria feito traduções literais das músicas. Ramalho recebeu a reportagem do JT no Rio de Janeiro, no escritório de sua produtora, a Jerimum Produções, e não censurou perguntas. Falou desde sua experiência com cogumelos alucinógenos até o suposto contato com uma entidade extraterrestre.

Por que fazer versões brasileiras das músicas do Bob Dylan?

Fazer um disco de versões de Dylan em inglês é uma coisa que o mundo todo faz. Saiu no ano passado, por exemplo, o disco Dylanesque, de Bryan Ferry. A minha intenção de fazer letras em português é um pouco romântica. É um trabalho difícil. Muitas vezes você traduz a letra de uma canção em inglês sendo que a sonoridade em português é diferente. 

Como conseguiu autorização de Bob Dylan?

Eu não o conheço pessoalmente, apesar de ter ido ao show dele no Rio de Janeiro, no início do ano. Nunca quis ser tiete. Continuo sendo seu fã, ele é uma pessoa que me inspirou muito. Preparei um pacote com a tradução de todas as músicas e Aluízio Reis, presidente da Sony Songs, foi mostrar para a assessoria de Dylan. Da parte dele não houve qualquer constrangimento em achar que eu estava deturpando suas canções ou fazendo caricaturas. Ele autorizou todas sem observações e ainda pediu que mandasse o disco para ele guardar no acervo. 

Como foi fazer este projeto?

Estava amadurecendo há muitos anos. É um projeto pessoal, não se trata de homenagem, tributo. Fiz o projeto de forma clara, transparente e sem qualquer vergonha. Nos próximos anos pretendo repetir a dose e lançar Zé Ramalho Canta Luiz Gonzaga e Zé Ramalho Canta Jackson do Pandeiro. 

Está preocupado com a reação dos fãs de Dylan?

Pode até ser que exista alguma reação dos fãs de Dylan, ou não. Eles podem gostar quando perceberem que o trabalho foi formatado para uma língua tão difícil quanto o português.

Como encara os críticos?

Nunca tive um disco, em toda a carreira, que não fosse em algum momento malhado por algum setor da crítica (no dia da entrevista foi publicada no Rio de Janeiro uma crítica ferrenha ao novo disco de Ramalho). Sabe aquele ditado: “os cães ladram, mas a caravana passa?” Todo ano lanço um disco de carreira e vou passando com minha caravana. A cachorrada sempre late e sei que se jogar algumas migalhas de minha atenção eles vão parar, mas eu não faço isso. Sigo em frente, deixo eles latindo com fome, com raiva. Sempre foi assim e sempre será. Nunca andei de mãos dadas com a crítica, não vou me envolver com isso. 

Ficou com receio deste trabalho ficar aquém dos autorais?

A sonoridade que conseguimos com este disco foi espetacular. A pessoa para avaliar um disco como esse tem de conhecer muito dos dois trabalhos e principalmente de música brasileira. É fácil ouvir um trecho de cada música e escrever algo para justificar o seu trabalho. O editor que manda você cobrir música também o manda escrever sobre o lançamento de peças íntimas femininas. Você não escolhe o que quer fazer. Estamos nas mãos de estagiários ou pessoas que estudam um ano e seis meses para aprender apenas o métier. São essas as pessoas que escrevem sobre seu trabalho. Não dá para levar a sério. 

Você já disse que fumava maconha para compor. Ainda mantém esse hábito?

Hoje em dia, não mais. Foram coisas superadas. Não que a maconha seja danosa. A maturidade traz isso para você. Todas as experiências que tive com a maconha, cocaína e cogumelo foram coisas do período de garoto. A maconha eu estendi por alguns anos porque abria a cabeça e me dava inspiração. Hoje em dia sou uma pessoa completamente sóbria. 

Como você lidou com o tema drogas com seus filhos?

Sempre fui muito discreto com as drogas, nunca fui pego em lugar público. Nunca houve algum flagrante, sempre fiz essas coisas na minha caverna. Depois que eles cresceram conversei com cada um. Minha filha mais nova vai fazer 14 anos. Explico para eles do que se trata e nunca tive embaraços. Tenho seis filhos de idades diferentes. São pessoas que me inspiram e me deram muita força. 

Você se acha o seguidor da obra de Raul Seixas?

Tudo o que as pessoas sentem é verdadeiro, eu não posso rejeitar uma atitude e uma avaliação dessas. Eu me deixo levar. Permito e sinto isso. A admiração que eu tenho por Raul é muito grande. O Raul era um gênio, trazia para a sua música filosofia do povão. 

É padrinho de um museu de ufologia no Rio Grande do Sul. Como é sua experiência com ETs?

A questão dos discos voadores é longa, mas eu acredito nessas coisas. Não digo que é religião, mas é minha referência da criação do mundo, sobre quem somos e de onde viemos. Não só acredito como tenho certeza. Faço disso, no entanto, uma coisa muito discreta. Quando você conversa sobre disco voadores as pessoas riem de você, chamam de maluco. Ninguém procura um disco voador, simplesmente acontece. 

Já teve algum contato desses? 

Quando eu estava fazendo a música Avohai eu tive uma aproximação grande do que se pode chamar de contato. Não foi nada de alguma criatura. Eu estava fazendo uma experiência com cogumelos alucinógenos. Quando você está com substância na cabeça, sente e pode ver coisas além. Vi uma nave em cima de mim. Foi durante essa experiência que tive a mensagem da música. Eu a considero a melhor música da minha vida. Ela apareceu desse jeito, de uma forma mediúnica. Acredito que somos uma experiência de civilizações superiores às nossas. Dizem até que a tecnologia das fibras ópticas e do forno de microondas foram passadas pelos alienígenas, nos EUA, no local que eles chamam de Área 51.

Você acredita em Deus?

Deus é um conceito. Raul Seixas já dizia: ‘Deus é aquilo que me falta para compreender o que eu não compreendo’. Aceito que as pessoas tenham isso como algo sério, mas Deus é uma criação do homem, mais do que o homem é criação de Deus.

Hoje é mais difícil trabalhar com música do que há 10 anos?

É mais difícil porque tudo virou uma selvageria. O romantismo foi banido das rádios e estações de TV. Quando um artista está lançando um show toda a mídia vai atrás das celebridades que estão na platéia. O artista lá na frente é só pretexto, não tem mais a mínima importância. Um show de artista hoje só é considerado importante mediante o número de celebridades que consegue ter em sua platéia. Quanto aos críticos de música, não reverencio esses caras. Alguns ficam zangados por eu não falar com eles. Vai chegar o dia em que não vou fazer mais nem isso aqui, o olho no olho. Vou fazer tudo por e-mail. Já deveria ter tomado essa decisão. Depois de muitas entrevistas você começa a atropelar as suas respostas. O e-mail me dá a chance de, solitariamente, responder com calma. 

Você se considera um poeta?

Modestamente, sim. Foi o que eu consegui com muito custo. 

(© Estadão)

 


Zé Ramalho com a bênção de Dylan

Há um Bob Dylan no Sertão paraibano, e poucos brasileiros se deram conta disso. Agora, a relação está escancarada. Com Zé Ramalho canta Bob Dylan, seu 22º álbum em 30 anos, o primeiro assume sem reservas sua porção Robert Zimmerman (nome de batismo do segundo).

São 12 canções de um homem que canta meio falado interpretadas por um outro que também canta meio falado. Mas, mais do que interpretações, Zé Ramalho reescreveu as letras. Fez versões, transformando, por exemplo, Things have changed (as coisas mudaram) em Tá tudo mudando e Blowin’ in the Wind (soprando no vento) em O vento vai responder.

Antes de gravar, as versões foram levadas pessoalmente, pelo presidente da Sony Songs (Aloysio Reis), aos EUA, para apreciação do Dylan e seus assessores. “Depois da avaliação, a assessoria mostrou ao Dylan e ele liberou totalmente todas as versões, inclusive com louvor”, contou. Algumas músicas ganharam explicação adicional. É o caso de Mr. tambourine man, cuja letra ganhou um personagem bem brasileiro: Hey, Jackson do Pandeiro/ Toque para mim/ Não estou com sono e não tenho para onde ir.

“Só começamos a gravar o disco depois das autorizações, esclarece o paraibano”. E, claro, as músicas ganharam roupagem nordestina, com sanfonas. A exceção é If not for you, quer manteve a letra em inglês. “Achei que, adaptar uma música como essa, cantada na língua natural e arranjada como eu fiz, com um ritmo nordestino agalopado, ficaria interessante, e acho que ficou! Esse arranjo tem também uma inspiração na gravação que George Harrison fez desta mesma música, no seu álbum All things must pass (1970)”.

Fã de Dylan desde o fim dos anos 60, quando saía da adolescência, Zé Ramalho teve certa dificuldade para escolher as canções do álbum. Afinal, Dylan gravou cerca de 500 canções em sua carreira. “Para o meu álbum, adotei como critério fazer uma teia de canções de épocas diferentes”, explica.

» Zé Ramalho canta Bob Dylan – Gravadora EMI, R$ 30 (CD) e R$ 36 (DVD).

(© JC Online)


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