Fellipe Fernandes
ffernandes@jc.com.br
Era 1969
quando Cláudio Barroso conheceu Gregório Bezerra. A ditadura já dava
sinais de capitulação e o líder comunista (que havia sido exilado em
troca da libertação do embaixador americano em 69) havia voltado ao
País. Cerca de dois anos e meio atrás Barroso, paulistano que mora no
Recife há cerca de vinte anos, teve a ideia de fazer um filme de ficção
sobre a vida do militante. Depois de um tempo de captação e
pré-produção, História de um valente, longa-metragem dirigido pelo
próprio Barroso e produzido por Germano Coelho (Camará Filmes), começa a
ser filmado, no Palácio do Campo das Princesas.
“Como
Gregório é um homem muito querido, muita gente acaba mandando
informações, pedaços de livros e recortes de jornal”, conta Barroso
sobre o processo e pesquisa. “Fui atrás dos seus livros de memórias e
comecei também a entrevistar antigos companheiros de partido em Carpina,
encontrei antigos canavieiros... O filho dele Jurandir Bezerra foi muito
importante nesse processo”, completa. O estudo sobre a vida de Gregório
foi fundamental para construção do roteiro, que em sua primeira versão
contava seis horas de película. “O primeiro roteiro começava em 1908,
quando Gregório tinha apenas 8 anos. Essa versão serviu mais como uma
base para gente conhecer a história do personagem, mas era realmente
muito longa e tinha um custo muito alto”, explica Barroso, que divide a
autoria do script com os cineastas Paulo Caldas, Pedro Severien e Amin
Stepple.
Conseguir
dar um recorte de duas horas numa vida tão conturbada como a do
comunista não é tarefa fácil. Nascido em 1900, aos dez anos Gregório
chega ao Recife de bondes e lampiões a gás, onde se torna menino de rua
e passa a vender jornal até descobrir o sindicato da construção civil e
começar a militar. Em 1930 ele se filia ao partido comunista, depois de
já ter sido preso, solto e de estar servindo ao Exército. No Rio de
Janeiro conhece Luís Carlos Prestes, de quem se torna grande amigo e
parceiro de luta, e pouco tempo depois é eleito deputado federal em
Pernambuco. Mas em 1947 Gregório é vítima de uma cilada que o obriga a
cair na clandestinidade. Depois de nove anos circulando pelo País como
anônimo e defendendo as causas dos trabalhadores, ele volta a Recife em
1957. História de um valente retrata a vida do ativista político a
partir desse ano até 1964, quando é preso novamente, dessa vez pela
ditadura militar. Gregório morreu em 1983, mas deixou um legado político
e social que passa a ser revisitado pela telona.
Quando
volta ao Recife em 57 ele se legaliza perante o Exército e se engaja na
campanha de Miguel Arraes para o governo estadual. “Até que Gregório tem
um estalo e volta para campo, onde repassa todo o aprendizado dos anos
de clandestinidade”, acrescenta Barroso. Ao dizer campo, ele se refere a
Zona da Mata Sul do Estado. Além do Recife, Olinda e Fernando de
Noronha, o filme deverá ser rodado em cidades como Água Preta, Catende,
Palmares, São Benedito do Sul e Igarapeba. O orçamento da produção, que
continua captando recursos, gira em torno dos R$ 3,9 milhões.
“Originalmente o longa deveria custar mais, afinal de contas é uma
produção de época”, lembra o cineasta.
O fato do
filme ser ambientado no final da década de 50 e início da década de 60
não dificulta apenas o setor financeiro. Encontrar locações, paisagens e
materiais de arte para a reconstituição de época fez os produtores
suarem bastante. “A grande dificuldade de fazer esse tipo de ambientação
é que a preservação no nosso País é muito pouca, não há esse tipo de
memória. Estamos com uma série de probleminhas porque queremos filmar um
Recife que já não existe mais,” confessa Barroso. A cena em que o
militante é torturado em praça pública pela ditadura militar não poderá,
por exemplo ser gravada na Praça de Casa Forte, cenário original do
lamentável episódio, por conta da atualidade da arquitetura que circunda
a Praça hoje em dia. A tortura, que será uma das últimas cenas do filme,
será filmada em frente a Prefeitura de Olinda.
Ainda que
os sete anos em questão sejam o foco do enredo, o longa não fica
restrito a esse período. “Vamos utilizar flashbacks para contar as
tramas anteriores. E também estou usando alguns outros artifícios para
contar bem a história de Gregório, afinal minha escola é de
documentaristas”, esclarece Barroso, que já dirigiu curtas documentários
como O mundo é uma cabeça (ao lado de Bidu Queiroz) e Margarida sempre
viva. Ele decidiu encerrar sua obra com uma entrevista cedida por
Gregório a Geneton Moraes Neto em 1982, quando o comunista falou sobre o
episódio na Praça de Casa Forte. “O roteiro é muito forte e a ideia é
fazer do filme uma aventura política, uma perseguição policial. Gregório
sempre foi perseguido, seja por usineiros, militares ou americanos”,
fala o cineasta sobre sua mais nova obra.