Fellipe
Fernandes
ffernandes@jc.com.br
Luís Fernando
Moura
lmoura@jc.com.br
Após uma
maratona cinematográfica como a 2ª Janela Internacional de Cinema, que
chegou ao fim ontem, a vontade pode até ser de sair da sala escura e
descansar a visão. É difícil, não pelo afeto ou paixão pelas imagens, mas
pelo condicionamento do cérebro que por horas esteve habituado a uma lógica
diferente de percepção. Em nove dias de exibições, com mais de 150 títulos
no repertório, a Janela de Cinema arrebatou um público de cerca de 6 mil
espectadores, divididos entre a programação do Cinema Apolo e Fundação. A
premiação, que ocorreu sábado passado, passou a limpo a qualidade das obras
em competição.
Houve algumas
recorrências, como os prêmios concedidos ao paraguaio Pablo Lamar e ao
cearense Salomão Santana. Na última edição, Lamar teve seu Ouço seu grito
coroado como melhor filme pelo júri internacional. Desta vez, levou prêmio
de Melhor imagem por Noite adentro, e estava no Recife a convite do
festival. Já Santana, que no ano passado foi premiado pelo júri da Janela
Crítica com o bastante comentado Jarro de peixes, teve Matryoshka eleito o
melhor curta nacional pelo júri da Associação Brasileira de Documentaristas
– seção Pernambuco.
Os principais
prêmios dos júris nacional e internacional, aliás, carimbaram regiões onde a
produção cinematográfica tem tomado formas ricas e propositivas. O Ceará,
núcleo de uma nova geração inconformada politicamente, teve Flash happy
society, de Guto Parente, eleito o melhor filme. Já Canção de amor e saúde,
do português João Nicolau, ressalta o talento que o país esboça em renovar o
cinema contemporâneo. O curta é um filme de amor tão sincero que os
personagens vivem de coreografar para a câmera – como fazem os apaixonados.
Terminam reinventando aquilo que conhecemos por mise-en-scène, quase nos
convidando a fazer parte dela.
Falando em
encontros, não há como mensurar a importância do festival sem considerar os
debates entre público e realizadores. Na frente da tela, eles responderam a
perguntas e retrucaram comentários do público – intervenções cujo tom
variava entre a exaltação e a condenação. De divã psicanalítico, como no
debate da segunda sessão da Janela Pernambucana, à discussão sociológica
sobre a arquitetura contemporânea, após a exibição de Um lugar ao sol, de
Gabriel Mascaro, os encontros redimensionaram as obras.
(©
JC Online)
Novas fronteiras estão traçadas
Filmes contemplados pelo edital Rucker Vieira mostram que ficção e
realidade buscam conviver confortavelmente
Eugênia Bezerra
ebezerra@jc.com.br
Fellipe Fernandes
ffernandes@jc.com.br
Luís Fernando Moura
lmoura@jc.com.br
A vida documentada como uma narrativa ficcional: a linguagem do documentário
cinematográfico vem sendo contestada por diversas produções contemporâneas.
O filme Os vigias, de Marcelo Lordello, e a mais nova obra de Mascaro, As
aventuras de Paulo Bruscky são dois bons exemplos. Ambos foram contemplados
pelo edital Rucker Vieira, assim como Verde terra prometida – Laços Amazônia
& Nordeste, de Cláudia Kahwage, e Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes
(confira na matéria ao lado). Os quatro filmes serão exibidos esta noite no
Cinema da Fundação, a partir das 19h.
Os vigias tem papel mais do que meramente instrumental na dinâmica da
sociedade pernambucana. Segundo Lordello, eles são os intermediários entre a
própria sociedade e o medo. Nesta estreita posição social, os trabalhadores
são personagens do novo projeto do cineasta, filmado em 2007 e exibido esta
noite numa versão de 26 minutos. Posteriormente, um longa-metragem pode ser
lançado a partir das imagens captadas.
Foram acompanhados sete profissionais em diferentes bairros do Recife em
duas noites de trabalho, desde o momento em que chegam à hora em que saem do
serviço. “Tentar inserir o espectador na vida desses caras é uma tentativa
de ampliar o ponto de vista também”, explica Lordello, que depois completa:
“Meu grande interesse era saber a compreensão deles de algumas questões
questões sociais do universo em que vivem e o que eles acham desse medo”.
Atualmente o cineasta trabalha na pré-produção do seu próximo filme, Eles
voltam, que deve ser filmado em dezembro. Lordello afirma não fazer
distinção de gênero: “Não acredito numa discussão de gênero, é tudo cinema.
O que me interessa é interferir o mínimo possível na realidade”, conclui.
Um filme produzido sem câmeras, mas que não é uma animação. Foi realizado em
uma plataforma virtual, mas não se trata de uma ficção. Esta é a curiosa
proposta do documentário As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro.
O cineasta define seu novo trabalho como um ensaio/documentário sobre o
artista.
O termo machinima é uma contração das palavras cinema e machine (máquina) e
designa uma forma de produção audiovisual. De uma forma geral, pode ser
descrito como a combinação entre cinema, animação e games. “É um gênero novo
em que a galera começa a fazer filmes a partir de imagens de uma plataforma
virtual. Não é ficção, nem animação. São imagens reais da plataforma
virtual. Como a gente precisava ter opções, repetia cena a cena no próprio
Second life. É como trabalhar a idéia de um documentário sem câmera,
totalmente concebido em uma plataforma digital”, explica Mascaro, que também
assina o roteiro e a produção do filme.
Na realização do documentário, ele contou com a colaboração de Bruno
Oliveira e Janine Seus, na coordenação de machinima e design de personagens
e objetos no Second Life, por exemplo. A sinopse é a seguinte: “O artista
Paulo Bruscky entra na plataforma de relacionamento virtual Second life e
conhece um ex-diretor de cinema, Gabriel Mascaro, que hoje vive, se diverte
e trabalha fazendo filmes na rede virtual. Paulo encomenda a Gabriel um
registro machinima em formato de documentário de suas aventuras no Second
life”.
Em sua trajetória, Bruscky costuma combinar várias tecnologias para a
produção artística e isso inclui videoarte e cinema experimental. Para citar
apenas alguns exemplos de sua vasta produção, há os 30 filmes realizados
entre os anos de 1979 e 1982 e os “xerofilmes” criados por ele na década de
80 (como o nome já indica, são filmes feitos a partir de imagens
xerográficas).
Fazia sentido experimentar também no virtual. O planejamento do documentário
foi feito por Mascaro e Bruscky e começou com uma troca de e-mails entre
eles que durou quase um mês (Mascaro explica que inclusive nomeou os e-mails
como se fossem as sequências de um roteiro para o projeto). “A gente começou
a planejar a possibilidade de trabalhar no Second Life. Criamos um avatar
para cada um, para mim e para Bruscky, e ele me encomenda um documentário”,
resume.
(©
JC Online)
Garimpagem de oito anos nos lega tesouro
do passado
Marcos Henrique Lopes idealizou Janela molhada ao longo de oito anos. Foi um
trabalho de garimpagem histórica, que retoma as primeiras manifestações do
cinema pernambucano, o chamado Ciclo do Recife, em atividade durante a
década de 1920. Por sete anos, Marcos foi gerente do Audiovisual da
Prefeitura do Recife.
“Fiz todos os prospectos da reforma administrativa. Um dos projetos era
recuperar todo o material, mas era caríssimo. Até que a Cinemateca
Brasileira apresentou um projeto mais amplo, de transformar todo o material
em nitrato”, diz Marcos. A película composta por nitrato, utilizada na
época, é altamente inflamável e se degenera facilmente. Para transformá-la,
realiza-se o procedimento químico que dá nome ao filme. É assim que chegamos
a Adriana Falangola, ou Dona Didi.
Janela molhada visita a trajetória do pai de Dona Didi, Ugo Falangola,
italiano que chegou a Pernambuco em 1904 com equipamento de cinema nas
costas – foi o pioneiro. Em sociedade com J. Cambieri, fundou a
Pernambuco-film, produtora que lançou os longas Veneza americana, de 1924, e
Recife no centenário da Confederação do Equador, de 1925, verdadeiros
tesouros de documentação restaurados recentemente, após décadas
semi-esquecidos. Serviam a documentar as realizações do governo de Sérgio
Loreto, eleito presidente de Pernambuco em 1922.
Dona Didi, única remanescente do contexto, figurava na marca da produtora.
Ela brinca: diz que, para a Pernambuco-film, era como o leão da MGM. Com 91
anos recém-completos e há 58 residente da casa construída pelo pai, é
matriarca de uma extensa família. Busca a memória que teve de deixar de lado
para cuidar de sete filhos, enquanto boa parte dos parentes retornava para a
Itália e construía uma vida além-mar.
Dona Didi não lembra muito sobre o cinema recifense – há ainda muito de
mistério. Sobre o pai, porém, revela bastante para a câmera de Carlos Ebert,
diretor de fotografia do filme. Ebert é também fotógrafo do clássico
marginal O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, entre outros
longas. Participam ainda do resgate pesquisadores e integrantes da
Cinemateca Brasileira, que cedem entrevista, além de imagens da produção da
época.
Verde terra prometida: Laços Amazônia & Nordeste, dirigido por Cláudia
Kahwage, também envolve um resgate histórico. No documentário, famílias de
nordestinos contam sua história de migração para a região amazônica e
procuram por parentes através de videocartas. Este é o primeiro filme
realizado pela antropóloga, mas o envolvimento dela com o assunto é antigo.
“Verde Terra Prometida é resultado de uma pesquisa de dez anos que
desenvolvo junto a comunidades rurais isoladas na Rodovia Transamazônia.
Quando eu retornava, devolvia algumas fotografias e as pessoas falavam que
iam enviá-las para algum parente no Nordeste. A comunidade começou a me
mostrar monóculos que eram enviados pelos que ficaram no Nordeste, como uma
forma de comunicarem entre si os fatos mais significativos de suas vidas”,
relembra Cláudia, que vem de uma família que também migrou do nordeste para
a Amazônia.
A equipe de produção ficou 20 dias realizando as filmagens e oficinas
artísticas em uma comunidade no município de Uruara. A idéia das oficinas
era sensibilizar a comunidade para o processo de documentação audiovisual
teve o apoio da prefeitura local e da Fundação Curro Velho de Belém.
Atualmente, Cláudia finaliza o filme Gatinheiro: a história de Quintino da
Silva Lira (que recebeu o Prêmio MIS de Incentivo ao curta-metragem
paraense), sobre um dos maiores conflitos agrários acontecidos no Pará e diz
querer dar continuidade a Verde terra prometida. “Sinceramente eu não
considero que o projeto do filme esteja finalizado. Eu gostaria de fazer um
longa, filmar no Nordeste em busca das respostas das videocartas, tentar
estabelecer uma real comunicação entre as famílias migrantes e seus
parentes”, explica.
» Lançamento dos vídeos premiados no Concurso de Roteiros de
Documentários Rucker Vieira. Hoje, às 19h, no Cinema da Fundação. Rua
Henrique Dias, 609, Derby. Informações: 3073-6729.
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