27/10/2009
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Maria Bethânia se apresenta no Rio de Janeiro (23/10/2009) |
MARCOS BRAGATTO
Colaboração para o UOL
No Rio de Janeiro
Quando declarou o amor pela música e pelo ofício de cantar no lançamento
simultâneo dos dois últimos álbuns --"Tua" e "Encanteria"--, Maria Bethânia
não estava para brincadeira. Desse repertório ela sacou nada menos que 18
canções para montar o show “Amor, Festa, Devoção”, que estreou na noite
desta sexta-feira (23) no Canecão, no Rio de Janeiro.
Intercalando as canções novas com sucessos do passado, Bethânia construiu
uma sutil unidade em músicas que se completam ao mesmo tempo em que
salientam uma ampla diversidade de gêneros e regiões brasileiras içadas do
cancioneiro popular com rara precisão.
Dividido em blocos de músicas que dialogam entre si, o repertório flui de um
ponto a outro sem quebras que pudessem desviar a atenção de uma platéia que
lotou a casa. “Vida”, de Chico Buarque, foi uma feliz intrusa no início do
show, pautado pelo clima de festa sugerido no álbum “Encanteria”. A
sequência foi encerrada pela própria “Encanteria”, pérola de Paulo César
Pinheiro que é quase um samba exaltação, usado sabiamente também no final da
noite, antes do bis. O público não hesitou em acompanhar espontaneamente o
ritmo na palma da mão.
Quando a cortina foi erguida, Bethânia apareceu no centro do palco, na
frente de um painel de rosas vermelhas salpicadas por pequenas luzes que
alternam cores, posição e ritmo com que piscam. Os músicos tocam em duas
arquibancadas montadas nas laterais, e o efeito funcionou muito bem no
cenário criado pela parceira Bia Lessa, que também dirige o show. Com a
divisão em dois atos, na segunda metade o painel deu lugar a um mosaico
formado aos poucos por cerca de 200 quadros com fotos de fachadas de casas
nordestinas.
Um dos grandes momentos da noite aconteceu num bloco que é uma espécie de
pout- pourri, alinhavado pela alegre e cativante “Saudade Dela”. A música é
uma homenagem a Dona Edith do Prato, referência musical de Santo Amaro da
Purificação, morta neste ano. O percussionista Reginaldo Vargas usou o prato
de louça para resgatar a batida do Recôncavo Baiano, outra vez acompanhada
com palmas pelo público. O bloco, que inclui ainda “Ê Senhora”, samba
festivo de Vanessa da Mata, é outro retirado de “Encanteria”, fechando o
ciclo que aponta para o final do espetáculo.
Antes, Bethânia criou momentos intimistas, seja cantando suavemente, quase à
capela, acompanhada por violão ou teclados, ou ainda quando soltou a voz a
plenos pulmões. Para cantar “É o Amor Outra Vez”, parceria de Dori Caymmi e
Paulo Cesar Pinheiro, ela se sentou numa cadeira junto dos músicos.
Relaxada, explorou os temas românticos do disco “Tua”, gêmeo de
“Encanteria”. Em “Fonte”, pediu para o violonista e autor dos arranjos do
espetáculo, Jaime Alem, abaixar o tom para realçar sua interpretação, num
dos momentos mais intensos da noite. O público respondeu com muitos
aplausos, cena que se repetiria mais vezes.
Outro artifício que ajudou a engendrar o espetáculo foram as leituras feitas
por Bethânia, de textos assinados por Wally Salomão ou por ela própria, ou
mesmo de improviso. Num deles, a cantora explicou como o pai dela gostava de
ouvir a conhecida “Não Identificado”, de Caetano Veloso, que abre o 2º Ato,
para homenagear a mãe, Dona Canô, e dedicou o show a ela. Num outro,
Bethânia revela um apreço ao cancioneiro regional e a moda de viola, para
introduzir um bloco com a congada mineira de “Estrela”, de Vander Lee, e o
típico dedilhado interiorano muito bem executado por Alem em “Doce Viola”,
de sua autoria, entre outras canções afins.
É de se destacar como Maria Bethânia circula por muitos gêneros musicais sem
deixar de capturar uma unidade em torno de si própria, talvez até pelo
atípico e versátil tom de voz e pela vocação de intérprete. Sem deixar
intervalos ou anunciar os títulos das músicas, ela vai do samba de roda ao
típico samba carioca, do tango exageradamente dramático (“Até o Fim”) ao
quase rock de “Balada de Gisberta”, que encerra o 1º Ato, e conseguiu fazer
a popularesca “É o Amor”, de Zezé Di Camargo e Luciano, soar agradável – e
não só por conta de o público saber a letra de cor e salteado.
No bis, depois de cerca de hora e meia de um show que quase não pára,
Bethânia voltou e viu o público acalorado, de pé, no gargarejo, lançando
pétalas ao palco. Sem a banda parar de tocar, ela engatou “Noite dos
Mascarados”, de Chico Buarque, celebrando o Carnaval, no momento em que as
duas partes do cenário se juntavam no palco.
Veja todas as músicas apresentadas em “Amor Festa e Devoção”:
1º Ato:
1- "Santa Bárbara" (Roque Ferreira)
2- "Vida" (Chico Buarque)
Texto: "Olho de Lince" (Wally Salomão)
3- "Feita na Bahia" (Roque Ferreira)
4- "Coroa do Mar" (Roque Ferreira)
5- "Linha do Caboclo" (Paulo César Pinheiro e Pedro Amorim)
6- "Encanteria" (Paulo César Pinheiro)
7- "É o Amor Outra Vez" (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro)
8- "Tua" (Adriana Calcanhotto)
9- "Fonte" (Saul Barbosa e Jorge Portugal)
10- "Explode Coração" (Gonzaguinha)
11- "Queixa" (Caetano Veloso)
12- "Você Perdeu" (Márcio Valverde e Nélio Rosa)
13- "Dama do Cassino" (Caetano Veloso)
14- "Até o Fim" (César Mendes e Arnaldo Antunes)
15- "Drama" (Caetano Veloso)
16- "Balada de Gisberta" (Pedro Abrunhosa)
2º Ato:
Instrumental
17- "Não Identificado" (Caetano Veloso)
Texto: "Mãe Canô" (Maria Bethânia)
18- "Estrela" (Vander Lee)
19- "Serra da Boa Esperança" (Lamartine Babo)
Texto: "Brasil Cabloco" (Maria Bethânia)
20- "Doce Viola" (Jaime Alem)
21- "Pescaria" (Dorival Caymmi)
22- "Saudade Dela" (Roberto Mendes e Nizaldo Costa)
23- "Ê Senhora" (Vanessa da Mata)
24- "Batatinha Roxa" (domínio público, adaptação de Roberto Mendes)
25- "A Mão do Amor" (Roque Ferreira)
26- "Saudade Dela" (Roberto Mendes e Nizaldo Costa)
27- "Saudade" (Chico César e Moska)
28- "É o Amor" (Zezé Di Camargo)
29- "O Nunca Mais" (Roberto Mendes e Capinan)
30- "Bom Dia" (Vinícius de Moraes)
31- "Andorinha" (Dalva de Oliveira)
32- "Bandeira Branca" (Max Nunes/Laércio Alves)
33- "Domingo" (Roque Ferreira)
34- "Pronta Prá Cantar" (Caetano Veloso)
35- "O Que é, o que é" (Gonzaguinha)
36- "Encanteria"
Bis
37- "Noites dos Mascarados" (Chico Buarque)
(©
Estadão)
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