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09/11/2000 Celso Furtado: o pensador do Brasil "Não há mérito em fazer o que eu fiz. Foi uma questão de destino. Meu destino foi pensar o Brasil", resume Celso Furtado, economista, cientista social, escritor, ex-ministro e ocupante da cadeira n° 11 da Academia Brasileira de Letras (ABL), que recebe da casa dos escritores uma grande homenagem pela passagem de seus 80 anos, completados no último 26 de julho. Trata-se da exposição Celso Furtado: vocação Brasil, que será aberta hoje para convidados, e amanhã para o público, na Galeria Manuel Bandeira, apresentando uma síntese da intensa produção intelectual do pensador em 32 livros, com 53 traduções, um painel fotográfico, diários e documentos que por si só falam da importância do economista. Por exemplo, estão lá os convites feitos por universidades estrangeiras de primeira linha tão logo Furtado teve seus direitos cassados em 1964: Yale, Harvard e Columbia, nos Estados Unidos, Cambridge, na Inglaterra, e Sorbonne, na França, convidaram o professor a integrar seus quadros. Após um período lecionando em Yale, nos Estados Unidos, ele aceitou o convite para dar aulas na Sorbonne, onde trabalhou por 20 anos e dirigiu pesquisas na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais até voltar a morar no Brasil, em 1986. A mostra biográfica parte da posse de Furtado na ABL para recontar sua longa trajetória dedicada ao Brasil, desde quando registrou aos 17 anos no diário seu projeto de vida - escrever sobre a história da civilização brasileira. Em cena também estão fotos de sua passagem pela Segunda Guerra, quando foi mandado para a Itália, o período em que se doutorou em economia na Sorbonne, carteiras, salvo-conduto da Organização das Nações Unidas para entrar em todos os países e por aí vai até chegar a homenagens como um bilhete da loteria da Paraíba que homenageou o filho da terra em 29 de novembro de 1997, quando ele recebeu o fardão de imortal. "Nunca me ocorreu de ser homenageado com uma exposição. A ABL existe para preservar a memória da cultura. E eu não podia me negar a colaborar", diz o autor do clássico Formação econômica do Brasil, com a sobriedade que é uma de suas marcas. No apartamento de Copacabana, onde vive com a mulher, a jornalista Rosa Freire dAguiar, ele não se cansa de analisar com extrema lucidez o que se passou e o que se passa na realidade nacional. Daí enxergar uma função social na exposição. "É importante que as novas gerações se dêem conta que nesse país não há apenas gente incentivando irregularidades, mas que houve uma árdua luta para melhorar a vida das pessoas", considera. Entre as lutas do economista estão a concepção e implantação da política de incentivos fiscais para investimentos no Nordeste no período em que respondeu pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), nos anos 60. Um momento histórico que repercutiu em todo o mundo e o levou até a Casa Branca, onde encontrou-se com o presidente John Kennedy, que queria saber mais detalhes do projeto. O interesse foi tamanho que o governo norte-americano enviou uma jornalista, Helen Jean Rogers, para fazer uma reportagem no Nordeste e retratar o movimento das Ligas Camponesas, liderado por Francisco Julião. A matéria virou o documentário The troubled land, cuja única cópia ficou por anos guardada num imóvel de Furtado, no Alto da Boa Vista e recuperado quando voltou do exílio. O achado estará sendo exibido em parte na exposição. Às imagens antigas se somam trechos de algumas entrevistas de Furtado na TV nas quais ele fala do exílio, da cultura - ele foi ministro da pasta e criou a lei de incentivos - e do Nordeste. Num dos trechos, o economista lembra que era da época em que se corria de cangaceiro, em alusão ao sertão castigado por Lampião. Do passado ao futuro, ele pensa o Brasil do século 21. "Não tenhamos dúvida que o problema social vai ser o problema do futuro. Vamos necessitar de um novo tipo de civilização, menos consumista." O autor abriu todos os seus arquivos para a seleção do que será exposto na ABL. Além de se surpreender revendo a própria história, foi impactado pela cópia do Diário Oficial de 10 de abril de 1964, em que saiu a lista dos cassados pelo Ato n° 1, que suspendia os direitos políticos. Ele era o 28° de uma lista de 100. "O golpe de 1964 interrompeu a formação de uma classe política no Brasil. O país começou a ser administrado como uma empresa", define. "O Brasil foi um dos países que mais cresceram no século 20. Éramos 17 milhões e hoje 170 milhões. A tragédia do país foi não ter evoluído socialmente em função de duas taras: os três séculos de escravidão e o latifúndio, mecanismos graves de exclusão social. Apesar disso, meu vício é acreditar no Brasil." (MÔNICA RIANI, JB)
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