|
24/11/2000 Bethânia combina seu canto com o de astros portugueses Maria Bethânia canta no domingo, a partir das 17 horas, de graça, na Praça da Paz do Parque do Ibirapuera, dividindo o palco com dois músicos portugueses - a cantora Filipa Pais e o guitarrista - de guitarra portuguesa, acústica, bem entendido seja - António Chainho. A convite do guitarrista, a cantora baiana Jussara Silveira fará participação, cantando um número. O espetáculo é o oitavo e penúltimo deste ano da série Pão Music 2000, que, comemorando os 500 anos do Descobrimento, vem juntando, desde maio, sempre naquele palco, com patrocínio do Grupo Pão de Açúcar e da Secretaria Municipal de Cultura, astros da música brasileira e da portuguesa - já estiveram lá Milton Nacimento e Sérgio Godinho, Ney Matogrosso e Marta Dias, Gal Costa e Madredeus, Gilberto Gil e Maria João (com Mário Laginha), entre outros. O último show da série unirá em cena Marisa Monte e Cesária Évora, em dezembro. Filipa Pais é uma das importantes expressões da nova música portuguesa. Surgiu para o grande público em 1993, trabalhando ao lado de nomes consagrados como o citado Sérgio Godinho (que é parceiro de Chico Buarque), João Paulo Esteves da Silva, Janita Salomé. Filipa vai mostrar músicas do disco L'Amar, seu trabalho mais recente. Além da obra em solo, Filipa canta fados tradicionais acompanhada por António Chainho - alguns deles estarão também no repertório dela, eventualmente coincidindo com números do roteiro de Bethânia: Estranha Forma de Vida consta das escolhas de uma e de outra, assim como Foi Deus, sucesso imenso da mãe de todas as cantoras do fado, Amália Rodrigues, e Meu Amor é Marinho, que tem letra do poeta Manuel Alegre e foi gravada anteriormente por Bethânia. António Chainho é um mito da música tradicional de sua terra, considerado o grande guitarrista do fado por veteranos do porte de Amália e por novas expressões da música portuguesa como as cantoras Mísia, Dulce Pontes, Né Ladeiras. Todos eles estiveram antes no Brasil, participando não apenas do Pão Music, mas também de outros projetos que uniram os artistas dos dois países. Do encontro com brasileiros surgiu o disco Lisboa-Rio, mais novo CD de Chainho, gravado no Rio de Janeiro, com produção do violonista e guitarrista (sim, ele guitarrista de guitarra elétrica) brasileiro Celso Fonseca e com participações de Ney Matogrosso, Jussara Silveira, Virgíinia Rodrigues e Paulo Mosca. O CD traz músicas brasileiras e cinco composições de Chainho, que está com 62 anos. Bethânia cantou antes, há três anos, na Praça da Paz, em trio com Chico César e Arnaldo Antunes. Gosta muito de lá - um palco ao ar livre, num lugar de passeio onde é possível, aos domingos, ouvir boa música. "Ali, as pessoas vão com as famílias, exclusivamente para ouvir música, por gostar de música, pelo prazer da música", imagina ela. "Conheço gente que nunca foi lá e tem vontade de ir, porque sabe que vai ser bom, agradável, bonito - há dois lugares, no Brasil, desse tipo, que deram certo: além da Praça da Paz, a Concha Acústica, de Salvador", compara. "São lugares onde as coisas de fato acontecem, que são freqüentados por um público interessado, que vai ouvir pelo prazer de ouvir, não custa repetir: é que o teatro virou uma coisa muito burguesa, aonde se vai porque é socialmente importante ir, por obrigação, por convenção, porque é `bem'", diz. Os laços de Maria Bethânia, baiana de Santo Amaro da Purificação, com a música - e a cultura, em geral - portuguesa tiveram início com as músicas de Amália Rodrigues e sentimentaram-se com a poesia de Fernando Pessoa. "No caso de Amália, não apenas pelo fado, mas porque qualquer coisa que ela cantasse", conta a brasileira. "Depois, expandiu-se o universo; adoro a música do Alentejo, aquele canto de lavradores, as cores do Minho..." - os portugueses, lembra ela, chamam a região alentejana de o nordeste português, mas ela não vê a coisa bem assim: "Aquela é uma região muito rica, que contrasta com a pobreza do nordeste; por outro lado, as pessoas falam de forma mole, como no nosso nordeste, e têm um sentido de irmandade que é parecido com o nordestino, e fazem da música parte da vida, como na minha região, e às seis da tarde dão-se os braços, fecham os olhos, cantam e dançam." Portugal é uma grande adoração: "A luz de Lisboa é a luz da minha infância", compara. "Sinto falta da paisagem portuguesa, das casas, do mar, que, este, ao contrário, é diferente do mar da minha infância, com um outro brilho e um outro mistério, e se deixa envolver por aquela bruma; eu fico pensando naqueles loucos que sairam de lá para ir ao mundo", divaga. "Quando fiz o disco Círculo, nos anos 80, o texto do encarte, escrito por meu pianista, lembrava que mesmo que Nova York me despertasse bons sentimentos e me atraísse, meu olhar voltava-se empre para a Europa e, na Europa, para Portugual." Ela teve o que considera grande sorte de trabalhar com Amália Rodrigues: fizeram, em 1972, uma turnê pela Europa que contava, ainda, com a participação do violonista brasileiro - amazonense, por sinal - Sebastião Tapajós e do compositor Paulinho da Viola. "E ainda estava conosco aquela maravilhosa Odetta, cantora norte-americana, uma deusa de dois metros de altura e 300 quilos de peso, guitarrista inigualável, cantora de força inimitável, a quem eu chamava de mãe: ela me pegava no colo, eu era uma menina, e assim fomos, pela Escandinávia, Áustria, Alemanha, Itália, para pousar, enfim, em Portugal." Depois disso, ficou mais próxima da cantora que idolatrava mais do que todas, Amália: "Jamais fomos íntimas, mas a tive muitas vezes na minha platéia, no meu camarim", conta. E por ela aprendia a amar ainda mais Portugal, aquelas mulheres do Minho, vestidas de ouro..." Quando foi convidada a participar do Pão Music, Bethânia pensou imediatamente em convidar Amália Rodrigues, mas a companheira portuguesa já estava doente, já não cantava; e morreu pouco depois. A segunda opção seria Mísia, mas as duas já haviam dividio palco, em outro projeto; veio, então, a escolha de António Chainho. "Ele é a mais profunda expressão da música de Portugal", elogia Bethânia. "E a música de Portugal tem muitas faces, até mesmo um Tejo Beat, que surgiu na esteira do Mangue Beat; é claro que, como em todos os movimentos que entram em moda, há bobagens, cafonices, mas a música de Portugal está dando um banho no resto da música européia, que não lhe é comparável, em termos qualitativos", avalia. "Você ouve Mísia, que tem, como eu, esse misto de suavidade, doçura, ternura, transparência - e corte; Mísia gosta de dizer que tem `voz de faca", cita. "A Dulce Pontes faz um trabalho elaboradíssimo, casando o mais moderno e sofisticado com o mais tradicional; a Maria João fez revolução partindo da música brasileira, que vem da portuguesa; e, o mais importante, nenhum deles tirou o pé do chão, abandonou as raízes." Houve, Bethânia conta, até a Revolução dos Cravos, um pacto de silêncio com relação à música de Portugual. Fado não se ouvia mais. Os nativos preferiam a música brasileira, que lá chegava pelos discos, pelas novelas. Bethânia avalia que, com a entrada de Portugal no Mercado Comum Europeu, a cultura - a música, sim, mas também, o cinema, a dança, a poesia, o teatro - deu o respiro, espalhou-se como o produto da terra, como o azeite da Espanha, a uva da Itália, o queijo da França. "Portugueses de uma geração anterior à minha faziam força para não falar com sotaque português; hoje, orgulham-se de sua fala, como se orgulham da música", diz, e cita uma frase que Stanislaw Ponte Preta gostava de repetir, no restaurante Fiorentina, no Rio, nos anos 60, quando Bethânia participava do show Opinião: "No dia em que o mundo for julgado por seus poetas, Portugal sai na frente." Bethânia começa a gravar seu novo disco no início do ano que vem, mas acabou de gravar um, não comercial, com canções dedicadas a Nossa Senhora da Purificação, com versos de romeiros musicados por Gilberto Gil, com a Ave Maria de Caetano Veloso, que data dos anos 60, de antes de eles irem para o Rio, da canção Nossa Senhora da Ajuda, de Sueli Costa. O disco vai ser oferecido à paróquia de Nossa Senhora da Purificação, de Santo Amaro da Purificação, e será vendido só lá, com renda destinada à reforma e manutenção da igreja: "O disco tem alguns erros, mas deixei os erros: é tudo cantado como soa em minha memória, quando fui anjo de procissão, quando coroei Nossa Senhora." (Mauro Dias, OESP) Serviço
|
|