|
11/12/2000 Sou a própria espontaneidade, diz Caymmi De braço dado com a neta Stella, Dorival Caymmi, 86, chega para ser entrevistado por um grupo de jornalistas no estúdio de sua gravadora, no Rio. Com passos lentos e curtos, ele sobe no palanque, experimenta o sofá vermelho que lhe é reservado para a ocasião e começa a observar com atenção os quatro cantos da sala. Enquanto seu olhar passeia pelo ambiente, alguém coloca a faixa "Canoeiro" para tocar ao fundo. Caymmi balança a cabeça no ritmo e começa a acompanhar baixinho: "Ô canoeiro bota a rede/ bota a rede no mar/ ô canoeiro bota a rede no mar". Sorri. Minutos depois, perguntam se ele não costuma esquecer suas músicas mais antigas, gravadas há quase 50 anos. "É natural que o autor identifique sua música sempre. Seja por um trecho ou pelo título, ainda que este tenha sido mudado. Eu não esqueço as minhas canções", diz o cantor e compositor baiano. E é para que seus fãs também não esqueçam sua obra que Caymmi lança "Caymmi Amor e Mar", caixa com sete CDs que está chegando às lojas. Os seis primeiros discos da coleção reúnem o repertório de 12 discos originais gravados pela EMI. O último CD da série é uma coletânea, em que diversos cantores interpretam peças do compositor, entre eles Carmem Miranda, Clara Nunes, Clementina de Jesus, João Donato, Elza Soares e outros. A coleção traz também oito faixas-bônus. O conjunto permite ver como Caymmi fez da canção um instrumento para exprimir suas impressões do mundo, revelando as cores e as cenas que ele tanto observou nas ruas e paisagens da Bahia. A obra de Caymmi, além da inegável importância na história da MPB, é um verdadeiro tratado sobre os tipos humanos da Bahia urbana -acompanhados do som dos gritos de vendedores de doces, abará e acarajé e da zoeira das crianças-, o som do mar e do vento, as paisagens de sua terra. "Sempre fui um grande observador, calado, das coisas que aconteciam à minha volta. Sempre pensando poeticamente sobre como poderia tirar alguma coisa dali", diz, olhando para o alto. O compositor falou sobre seu aprendizado e as influências, ou não-influências, que recebeu no início da carreira. "Não havia indústria do disco, dos artistas, na cidade em que eu vivia. Então, quem fazia música na Bahia ia pela serenata, pelas cançonetas inspiradas pelo teatro musicado. Não havia a influência de um artista específico. Aprendi música do jeito folclórico, com as coisas da minha terra." E de onde vinha essa música? "Estava na rua. Nascia na escola, quando escrevíamos versinhos nas margens do caderno, lembrávamos de canções que ouvíamos no rádio. Era o prazer do jovem." Cheio de nostalgia, Caymmi diz que já não reconhece a "sua
Bahia". "Perdemos a música de rua. E agora há muito barulho de motores e
outras coisas. Mas é o progresso, deixa andar." Caymmi não está compondo, pelo menos não de forma metódica, mas pode acontecer de uma hora para outra. Explica: "Componho quando ocorre uma "coisa" poética na minha cabeça. Não tem acontecido com frequência". Mas ele não se preocupa: "Deixa nascer quando quer, esteve acontecendo até agora, vai acontecer". Nem tem pressa: "Eu sou a própria espontaneidade", conclui. Caymmi lembra que, no passado, também buscava inspiração em passeios de
bonde. "Um dia, olhei para o meu lado e vi o Carlos Drummond de Andrade." Caymmi pára e toma um pouco de guaraná. "Estou fazendo tudo direitinho? A voz não está muito boa hoje, não é? Estou falando direito?", pergunta aos jornalistas. Depois prossegue. Aos insistentes questionamentos sobre sua célebre preguiça, Dorival responde que não é preguiçoso, e sim "contemplativo". "Quando estou quieto, encostado, ou de pé, olhando, algo está acontecendo". E olha misteriosamente para o alto, como a ocultar um segredo. Mas, e sobre a caixa de CDs, não vai comentar nada? Caymmi respondeu logo
no início da entrevista: "Ainda não ouvi, não dá para emitir uma opinião agora.
Espera eu escutar, depois eu falo", com toda a calma que se pode esperar de um homem
chamado Dorival Caymmi. (Sylvia Colombo, FSP) |
|