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13/12/2000

"Noites do Norte" faz voltar Caetano exilado do tempo

   Caetano Veloso, 58, está de volta às canções inéditas, com o delicado e em várias passagens inseguro álbum "Noites do Norte", em que traz à tona mais uma vez questão que lhe tem sido historicamente cara: a do exílio.
Só que agora parece não-intencional. Não é mais o exílio em Londres, nem tampouco o desconforto existencial de "Estrangeiro" (89). Aqui ele alegoriza um exílio temporal, que forra com as orquestrações "easy listening" desenvolvidas, como marcos dos anos 90 -já terminados-, por ele e Jaques Morelenbaum.

   Caetano refugia-se no ideário do aristocrático abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910). Falando (não no CD) sobre suas intenções, convence ao explicar sua crença de que a escravidão ainda vigora no Brasil, em favelas e declarações cotidianas do racismo.

   Ouça-se, então, o disco. A discussão aparece no bloco inicial: na brisa marinha da elegante e longinquamente caymmiana "Zera a Reza"; na regravação da ilustrativa "Zumbi" (74), de Jorge Ben; na referência aos rappers em "Rock'n'Raul" (instante de caos conceitual no CD, de revide desastrado à pouca importância que seu conterrâneo Raul Seixas lhe devotava em vida); no samba-funk setentista saboroso de "13 de Maio"; ou, enfim, na faixa-título.

   Esta última é a transcrição, em forma de (inconvincente) melodia, de trecho em prosa de Nabuco, de dizeres de aparência reacionária. Evidentemente, não dá liga como canção, como já não dava a verborragia de "Livro" (97).

   É fácil perceber que os pilares todos erigidos para que o autor faça sua crítica ao apartheid social brasileiro se sustentam no passado. Caetano rodeia o assunto, parece não conseguir encará-lo de frente -tanto é que tal temática se dissipa a partir da sexta canção, a modorrenta "Michelangelo Antonioni" (perceba o nome), que fratura o disco em dois e o faz adentrar por terreiros mais intimistas. Tergiversando para fugir de presente e futuro, exila-se nos passados difusos de Nabuco, Antonioni, Raul Seixas... Difícil fica saber onde se encontra Caetano.

   Musicalmente, ele está meio esquisitão, às vezes ousadamente semi-roqueiro. O disco se abre com uma bateria seca, estilosa, que valoriza as rimas cadentes de "Zera a Reza". Noutros pontos, ressoa a inspiração nas guitarras de vanguarda, de Lou Reed a Sonic Youth.

   Das percussões baianas renitentes (que afetam, por exemplo, o ex-samba-rock de Jorge Ben) é que ele não abre mão. Não chegam perto do delírio axé chique de "Livro", mas o que há de dogmático vai se reforçando em detalhes como esses, da insistência no dom monocórdico dado por surdos virados e pelas cordas de elevador de Morelenbaum.

   Tudo desemboca, já se desconfiava, no dogma supremo: João Gilberto mais Tom Jobim igual a Deus. No disco, os papas da bossa se alojam em "Meu Rio", espécie de "Sampa" 2, em que cavaquinho (de Dudu Nobre), tamborim, pandeiro e ganzá são usados em prol da bossa velha de sempre. Sobre dogmas e esquematismos, o Caetano de outros carnavais diria que é papo que já não deu.

   Mais encorpados são os momentos de investigação dos exílios sentimentais, também fortes em "Noites do Norte": "Zera a Reza", "Sou Seu Sabiá" (que Marisa Monte gravou há pouco), "Ia" (bossa nervosa, ruidosa) e "Tempestades Solares". Nesta última, o cantor estridente se diz "o Sol", mas em clave de fossa, sob marcação melódica que evoca a Maysa que bradava "meu mundo caiu".

   Em nesgas assim, sua música ainda o colore de figura de carne e osso sujeita a erros e acertos, rico justamente nas contradições, de artista grande despido da pose sobre-humana que vê em Tom e João e que transfere ideologicamente para si. O duro é quando desanda a falar abobrinha. (Pedro Alexandre Sanches, FSP)

Na Seção Música - ELES, conheça os sites de Caetano Veloso

Cantor descobre Joaquim Nabuco

   Escravidão e identidade nacional são os temas que dominam a maioria das canções de "Noites do Norte", o primeiro álbum com composições inéditas de Caetano Veloso desde "Livro" (97).

   O cantor diz que não tinha noção de como seria o disco quando entrou no estúdio. "Só pensava nos sons: queria fazer experimentações com o modo de gravar a voz com percussão", afirma Caetano, em "entrevista/release" divulgada anteontem pelo site Globo.com.

   A leitura casual de uma obra do abolicionista Joaquim Nabuco contagiou o compositor. Impressionado pelo estilo e pela atualidade da visão do pernambucano, Caetano decidiu musicar um texto da autobiografia "Minha Formação", que caracteriza a escravidão como um traço nacional e duradouro do Brasil. Assim nasceu a canção que dá título ao disco.
O tema da escravidão desdobra-se nas duas faixas seguintes. Em arranjo de seu filho Moreno Veloso, Caetano resgata a figura da princesa Isabel, no samba-de-roda "13 de Maio". Depois vem "Zumbi", canção composta por Jorge Ben ainda nos anos 70. "Um caso espetacular de saúde cultural", elogia Caetano, homenageando mais uma vez o mestre do samba-rock, cujas canções vem gravando há décadas.

   Outra homenagem, embora carregada de ambiguidade, está no rock "Rock'n'Raul". A letra de Caetano, que toca na questão da identidade nacional e do colonialismo cultural, descreve o irreverente roqueiro baiano como alguém com "uma vontade "fela-da-puta" de ser americano".
"Não desaprovo Raul, um dos meus artistas favoritos", afirma Caetano, observando que, apesar de muitos de seus colegas de geração não terem essa mesma identificação com os norte-americanos, "é difícil querer exigir que essa vontade não apareça".

   Um terceiro e último tributo incluído no disco já vem expresso no próprio título da canção "Michelangelo Antonioni", que homenageia o cineasta.
"Tenho com o cinema italiano uma dívida imensa, que venho pagando pouco a pouco", explica Caetano, que retoma nessa gravação o universo lírico de seu CD lançado no ano passado, "Omaggio a Federico e Giulietta" -homenagem ao cineasta Federico Fellini e à atriz Giulietta Masina.
Com participações de Lulu Santos e Zélia Duncan, no samba-reggae "Cobra Coral" (poema de Waly Salomão musicado por Caetano), e de Dudu Nobre, tocando cavaquinho, no samba-canção "Meu Rio", "Noites do Norte" retoma também um hábito do Caetano dos anos 70: o de coordenar pessoalmente as gravações, dispensando a colaboração de um produtor. "Só que eu produzi mais do que produzia naquela época. Decidi mais como queria que as coisas fossem. É um disco mais meu, mais feito por mim." (Carlos Calado, FSP)

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