|
13/12/2000 "Noites do Norte" faz voltar Caetano exilado do tempo Caetano Veloso, 58, está de volta às canções inéditas, com o delicado
e em várias passagens inseguro álbum "Noites do Norte", em que traz à tona
mais uma vez questão que lhe tem sido historicamente cara: a do exílio. Caetano refugia-se no ideário do aristocrático abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910). Falando (não no CD) sobre suas intenções, convence ao explicar sua crença de que a escravidão ainda vigora no Brasil, em favelas e declarações cotidianas do racismo. Ouça-se, então, o disco. A discussão aparece no bloco inicial: na brisa marinha da elegante e longinquamente caymmiana "Zera a Reza"; na regravação da ilustrativa "Zumbi" (74), de Jorge Ben; na referência aos rappers em "Rock'n'Raul" (instante de caos conceitual no CD, de revide desastrado à pouca importância que seu conterrâneo Raul Seixas lhe devotava em vida); no samba-funk setentista saboroso de "13 de Maio"; ou, enfim, na faixa-título. Esta última é a transcrição, em forma de (inconvincente) melodia, de trecho em prosa de Nabuco, de dizeres de aparência reacionária. Evidentemente, não dá liga como canção, como já não dava a verborragia de "Livro" (97). É fácil perceber que os pilares todos erigidos para que o autor faça sua crítica ao apartheid social brasileiro se sustentam no passado. Caetano rodeia o assunto, parece não conseguir encará-lo de frente -tanto é que tal temática se dissipa a partir da sexta canção, a modorrenta "Michelangelo Antonioni" (perceba o nome), que fratura o disco em dois e o faz adentrar por terreiros mais intimistas. Tergiversando para fugir de presente e futuro, exila-se nos passados difusos de Nabuco, Antonioni, Raul Seixas... Difícil fica saber onde se encontra Caetano. Musicalmente, ele está meio esquisitão, às vezes ousadamente semi-roqueiro. O disco se abre com uma bateria seca, estilosa, que valoriza as rimas cadentes de "Zera a Reza". Noutros pontos, ressoa a inspiração nas guitarras de vanguarda, de Lou Reed a Sonic Youth. Das percussões baianas renitentes (que afetam, por exemplo, o ex-samba-rock de Jorge Ben) é que ele não abre mão. Não chegam perto do delírio axé chique de "Livro", mas o que há de dogmático vai se reforçando em detalhes como esses, da insistência no dom monocórdico dado por surdos virados e pelas cordas de elevador de Morelenbaum. Tudo desemboca, já se desconfiava, no dogma supremo: João Gilberto mais Tom Jobim igual a Deus. No disco, os papas da bossa se alojam em "Meu Rio", espécie de "Sampa" 2, em que cavaquinho (de Dudu Nobre), tamborim, pandeiro e ganzá são usados em prol da bossa velha de sempre. Sobre dogmas e esquematismos, o Caetano de outros carnavais diria que é papo que já não deu. Mais encorpados são os momentos de investigação dos exílios sentimentais, também fortes em "Noites do Norte": "Zera a Reza", "Sou Seu Sabiá" (que Marisa Monte gravou há pouco), "Ia" (bossa nervosa, ruidosa) e "Tempestades Solares". Nesta última, o cantor estridente se diz "o Sol", mas em clave de fossa, sob marcação melódica que evoca a Maysa que bradava "meu mundo caiu". Em nesgas assim, sua música ainda o colore de figura de carne e osso
sujeita a erros e acertos, rico justamente nas contradições, de artista grande despido
da pose sobre-humana que vê em Tom e João e que transfere ideologicamente para si. O
duro é quando desanda a falar abobrinha. (Pedro Alexandre Sanches, FSP) Na Seção Música - ELES, conheça os sites de Caetano Veloso
|
|