09/04/2008
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Nos Estados Unidos a cachaça
normalmente só é conhecida como ingrediente para caipirinha |
O gosto pela cachaça vem se espalhando pelos
Estados Unidos, afirma reportagem publicada nesta quarta-feira pelo
diário americano The New York Times.
Segundo o jornal, as importações do produto brasileiro
cresceram de menos de 100 mil litros em 1998 para 213 mil litros em 2002 e
647 mil litros em 2007.
A reportagem observa que as duas marcas que dominam o
mercado, Pitú e 51, são produzidas em escala industrial e comercializadas
nos Estados Unidos por até cinco vezes seu preço de venda no Brasil, “onde
elas custam pouco mais do que uma garrafa de água e são pouco respeitadas”.
O texto, que traz uma orientação sobre como pronunciar
o nome da bebida (ka-SHA-sas), comenta que os americanos que já
experimentaram o aguardente provavelmente o fizeram como parte de uma
capirinha (kye-peer-EEN-yahs, orienta o jornal).
Cachaças artesanais
Mas o NYT comenta que há um crescente interesse
nos Estados Unidos por cachaças artesanais, envelhecidas em tonéis de
madeira.
“As cachaças envelhecidas, que normalmente passam ao
menos um ano em tonéis de madeira, representam ainda apenas uma pequena
fração do mercado total de cachaça nos Estados Unidos”, diz o jornal. “Mas a
demanda está crescendo.”
A reportagem comenta que mesmo no Brasil o gosto pela
cachaça como bebida fina também é uma novidade. “Apesar de a cachaça existir
desde o século 16, somente na última década que as marcas mais finas se
tornaram populares”, diz o texto.
Antônio Rocha, produtor da cachaça Rochinha, no Estado
do Rio de Janeiro, comenta ao jornal que “até os anos 1990, a cachaça não
tinha nenhum valor”. “As cachaças que vendiam bem eram as anunciadas; as de
qualidade não eram anunciadas e dependiam só do boca-a-boca”, diz.
Para um importador citado pela reportagem, o mercado da
cachaça “ainda está em sua infância”. “O que a cachaça pode mostrar ao mundo
é uma variedade de sabores que não está disponível em nenhum outro
aguardente”, diz o importador.
(©
BBCBrasil)
A sedução da cachaça artesanal
se espalha do Brasil para os EUA
Seth Kugel
Em Barra Mansa, Rio de Janeiro
A cerca de 150 km do Rio de Janeiro, depois que os biquínis de Ipanema dão
lugar a favelas, subúrbios industriais e finalmente morros verdes, uma
dezena de tonéis de carvalho de 9.000 litros estão vazios, em um novo galpão
ao lado da casa de fazenda colonial portuguesa do século 18, cercada por 6
km quadrados de florestas, pastos e cana-de-açúcar.
Antônio Rocha espera que esses tonéis, quando acrescentados aos 17 cheios em
outro galpão, ajudarão a satisfazer a demanda crescente nos EUA pela cachaça
envelhecida em madeira, uma versão mais suave da bebida que sua família vem
produzindo há quatro gerações.
Se um americano já experimentou cachaça -caldo de cana-de-açúcar fermentado
e destilado-, é provável que tenha sido nos coquetéis de caipirinha feitos
com limão e açúcar, misturados com uma marca industrial mais pesada.
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Tonéis do século 18
utilizados para produzir cachaça em Barra Mansa, no Rio de Janeiro |
Na fazenda de Rocha, entretanto, eles colhem a cana de seus próprios campos,
passam por um moinho movido a água, fermentam o caldo com o levedo que
ocorre naturalmente e o destilam usando energia gerada pela queima da sobra
do bagaço da cana-de-açúcar.
Para envelhecer sua cachaça de cinco anos, ele usa tonéis de cerejeira. Suas
versões de 12 e 25 anos são envelhecidas em carvalho francês. Os tonéis no
depósito fazem parte da expansão de seu negócio.
Por anos, a família vendia sua cachaça para outros engarrafadores em torno
do Estado do Rio de Janeiro e só passou a usar seu próprio rótulo, Rochinha,
em 1990.
"Até 1990, a cachaça não tinha valor", disse Rocha. "As que eram vendidas
eram as anunciadas; e as de qualidade não faziam propaganda. Era apenas
divulgação de boca a boca."
Há quatro anos, ele começou a vender suas cachaças de 5 e 12 anos nos EUA,
em lojas especializadas como a Astor Place Wine & Spirits em Manhattan e em
doses na Churrascaria Plataforma em Midtown.
Cachaças envelhecidas, que em geral passam pelo menos um ano em tonéis de
madeira, são apenas uma pequena fração do mercado total de cachaça nos EUA,
talvez 1.000 caixas de 9 litros por ano, de acordo com o Olie Berlic, que
importa a Rochinha pela Excalibur Enterprise em Greenwich, Connecticut. A
demanda, entretanto, está crescendo.
A importação de cachaça nos EUA cresceu muito na última década: 647.000
litros em 2007, comparados com 213.000 em 2002 e menos de 100.000 em 1998,
de acordo com o governo brasileiro.
As duas marcas que dominam o mercado -Pitu e 51- são produzidas
industrialmente e vendidas a pelo menos cinco vezes seus preços no Brasil,
onde custam pouco mais que uma garrafa de água e são ridicularizadas como
mata-rato.
Esse tipo de marca industrial é produzido em grandes alambiques colunares,
enquanto as marcas pequenas usam potes de cobre como alambiques.
A Leblon, que chegou ao mercado em 2005 e é a número três, é uma bebida mais
pura, frutada, de marketing mais elegante que conseguiu boas avaliações. Ela
e outras marcas que competem por consumidores nos EUA, como a Água Luca e a
Beleza Pura, podem ser consumidas puras, mas estão sendo vendidas para serem
usadas na caipirinha.
Enquanto isso, também estão entrando no mercado algumas cachaças
envelhecidas de pequenas destiladoras como a Rochinha, imbuídas de sabores
e, algumas vezes, da cor da madeira em que foram armazenadas.
Berlic, ex-sommelier do Gotham Bar & Grill em Greenwich Village, que criou a
Beleza Pura, também importa a maior parte delas. Além da Rochinha, tem a GRM
do Estado louco por cachaça de Minas Gerais, e a Armazém Vieira, de Santa
Catarina, no Sul.
"Você está vendo a infância da categoria", disse Berlic, que viajou para o
Brasil e experimentou 800 cachaças para escolher suas importações. "O que a
cachaça pode mostrar ao mundo é a uma variedade de sabores que não o existe
em outras bebidas."
Segundo Berlic, estão sendo usados ao menos 20 tipos de madeira para o
envelhecimento, inclusive o carvalho, que pode acrescentar uma nota de
baunilha torrada, e árvores nativas brasileiras como jequitibá rosa, que
pode dar à bebida notas de especiarias como canela.
E quase todas as cachaças mantêm um sopro de suas raízes da cana-de-açúcar.
A distância que os americanos terão que percorrer para apreciarem a
variedade de cachaças fica clara em uma visita à Academia da Cachaça,
restaurante no Rio de Janeiro onde centenas de cachaças envelhecidas cobrem
as prateleiras, e os clientes assíduos têm um cartão que lhes garante
privilégios nas degustações. O cardápio traz 100 escolhas, especificando a
cidade e o Estado de origem, anos de envelhecimento e o tipo de tonel no
qual foram envelhecidas.
Os brasileiros, entretanto, talvez não tenham tanta vantagem na apreciação
da cachaça. Apesar de existir desde os anos 1500, a bebida teve altos e
baixos e apenas na última década as marcas mais caras se tornaram populares.
"O Brasil não é mais o único país no mundo com vergonha de seu destilado",
disse a edição da Playboy brasileira de abril, quando o classificou as 20
principais cachaças.
(As duas outras marcas importadas pela Excalibur Enterprise, de Berlic,
entraram para a lista: GRM no número 19 e Armazém Vieira, de Santa Catarina,
no número 8).
Ainda assim, não é tão fácil se acostumar a beber cachaça pura, mesmo para
alguns brasileiros. No exclusivo Skye Bar de São Paulo, no topo do Hotel
Unique, de US$500 (cerca de R$ 1.000) por noite, com uma vista para a cidade
tão vasta que parece Manhattan em uma sala de espelhos, eles usam a GRM para
fazer a caipirinha mais cara da casa, de R$ 30. Talvez os puristas façam
careta, mas para aqueles que não gostam de beber cachaça pura, a cachaça
envelhecida é uma variação interessante.
Nos EUA, bares e restaurantes e lojas que queriam oferecer uma escolha para
a degustação de cachaça foram desestimulados por não conseguirem o que
queriam.
Jean Frison, gerente da Churrascaria Plataforma disse que compra tudo que
encontra em Nova York; ele encontrou 30. (Berlic disse que há 40 marcas
disponíveis no país, com 30 outras a caminho.)
Na Plataforma, a cachaça pode custar tão pouco quanto US$ 5 (cerca de R$
10), para uma dose de Pitu, ou até US$ 15 (aproximadamente R$ 30) para a
GRM. As garrafas custam desde US$ 12 (em torno de R$ 24) para as marcas
industriais até US$ 100 (R$ 200) para as importações envelhecidas. Na Astor
Wine and Spirits, a Beleza Pura custa US$ 24,99 (cerca de R$ 50) por garrafa
e a GRM de dois anos custa US$ 69,99 (em torno de R$ 140).
Quando Titus Ribas abriu o Cachaça Jazz Club, no ano passado em Greenwich
Village, queria ter prateleiras com o melhor das cachaças artesanais do
Estado de Minas Gerais, celeiro da cachaça. Contudo, ficou envolvido no
agendamento das bandas e desistiu do plano. Ele serve Pitu e Leblon.
Rocha e outros, entretanto, continuam tentando conquistar as pessoas com o
sabor da boa cachaça.
Sua família está no ramo desde 1902, e ele cresceu mergulhado nesse
ambiente. "Eu não gostava de televisão ou videogames", disse ele. "Para nós,
brincar era desmontar um trator."
Rocha começou a beber cachaça quando tinha cerca de 13 anos; mesmo quando
estava estudando engenharia mecânica no Rio de Janeiro, ele voltava nos
finais de semana para trabalhar. Ele espera ter um negócio maior para passar
para a quinta geração, seu filho, Rodrigo, que nasceu no dia 18 de janeiro.
"Não podemos forçá-lo", disse Rocha "Mas quero deixá-lo tão orgulhoso da
marca que continuará a produzir o que nós fazemos aqui há 106 anos."
Tradução: Deborah Weinberg
(©
UOL Mídia Global)
Leia a reportagem original do The New York Times
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