O cozido
completo, com diferentes tipos de carne e vegetais, tem origem judia. É a
“adafina” (coisa quente) - principal alimento do Shabbath, dia de louvor a
Deus, que equivale ao repouso dominical dos cristãos. Nesse dia não se podia
abater ou salgar animais, amassar farinha, acender fogo. O prato era então
preparado na véspera - com carnes, legumes, couve, ovos cozidos,
grão-de-bico. Toucinho e carne de porco foram acrescentados depois, na
Inquisição, como prova pública de fidelidade aos preceitos religiosos. Em
seguida o cozido chegou à penísula ibérica. Na Espanha era chamado,
originalmente, de “olla podrida” - porque se cozinhava tanto e tão
lentamente que, como dizia Rodrigues Marím, “quase tudo se desfaz, como
fruta que amadurece demais”.
Em Portugal também se chamava, bem antigamente, de “olha podrida”. Está
presente no primeiro livro de receita impresso em nossa língua (1680) - a
Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues: “Ponha-se em hua panella a cozer hum
pedaço de vacca muito gorda, hua galinha, hum adem, hua perdiz, ou pombos,
hum coelho, hua lebre, havendo-a, hua orelheyra, ou pá, se for tempo de
porco, hum pedaço de lacão, chouriços, lingoíça e lombo de porco, tudo
misturado com nabos, se os houver, ou rabões, três cabeças de alhos grandes,
grãos, duas ou três dúzias de castanhas, sal e cheiros; quando estiver
cozido, mande-se à meza, em hum prato sobre sopas de pão”. Esse cozido, em
Portugal, muda conforme a região. O do Minho tem carne de boi, galinha,
presunto, toucinho, chouriço, couve, cenoura e batata. O de Trás-os-Montes,
além disso, vitela e nabos. O do Alentejo não usa carne de boi.
A receita, embora mantenha o mesmo processo, vai mudando, ao sabor dos
ingredientes disponíveis em cada país. Na França é “Pot au Feu”, com carne
de boi, tutano, cenoura, nabo, alho-poró, cerefólio, couve, cravo e cebola.
Na Itália “Bollito Misto”, com carne de boi, vitela, língua, porco, galinha,
enchidos e legumes variados. Na Bélgica “Hochepot”, com rabo de boi, vitela
e presunto com osso. Na Holanda “Hutspot”, com carne de boi, legumes, feijão
branco, cenoura, batata e cebola. Na Irlanda “Irish Stew”, com carne de
carneiro e vegetais.
Em Pernambuco é servido completo - com carnes, defumados, legumes e
vegetais. Um prato, como se diz por aqui, de sustança. Mais importante é que
a pluralidade deve estar dentro da panela, com os alimentos; e, também, fora
dela, com família e amigos reunidos à sua volta. Não é prato para se comer
sozinho. Cozido tem a cara do domingo.
Receita
Ingrediente:
4 kg de carne: chambaril, músculo, costela de boi e peito.
2 kg de carnes defumadas: paio, lobinho, costela, toucinho de fumeiro,
lingüiça portuguesa
1 ½ kg de charque
2 kg de batata inglesa
1 kg de jerimum
Macaxeira, batata doce, inhame a gosto
Repolho, couve, cenoura a gosto
4 espigas de milho
Coentro, salsa e cebolinha
Tomates picados e inteiros
Cebolas picadas e inteiras
6 dentes de alho socados
Pimentões verdes e vermelhos em pedaços grandes
5 ovos cozidos
Sal, pimenta e folhas de louro
Farinha de mandioca para o pirão
Preparo:
Coloque as carnes defumadas e a charque de molho, na véspera. Tempere
chambaril, músculo, costela e peito com sal, pimenta, cebola, alho, coentro,
salsa e cebolinha, também na véspera. Em caldeirão, refogue-os com cebola,
alho, tomates e pimentões. Junte a charque e os defumados. Cubra com água e
deixe cozinhar por bom tempo. Acrescente milho e introduza raízes, legumes e
vegetais, de acordo com o tempo de cozimento. Vá retirando as que já
estiverem cozidas. Por último junte tudo. Cozinhe os ovos e não mexa mais.
Para o pirão, separe um pouco do caldo e vá despejando farinha, aos poucos,
mexendo sempre. Sirva em travessa grande, arrumando cuidadosamente carnes e
legumes.
Fonte:
Folha de Pernambuco
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